CIÊNCIA EXPLICA POR QUE NOSSOS CÉREBROS ADORAM UMA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO
Necessidade de criar padrões a partir de
informações aleatórias, busca por segurança e senso de comunidade são alguns
fatores apontados por especialistas.
Se você já se viu no meio de uma discussão em que alguém
tenta te convencer de que o Brasil perdeu de propósito a Copa do Mundo de 1998,
ou mesmo de que a Terra é plana, sabe que as pessoas adoram uma teoria da
conspiração.
Mas existe uma razão neurológica
capaz de explicar por que muita gente ainda duvida de que o homem foi à Lua ou
que Elvis Presley morreu?
Uma das imagens do furacão Matthew, que passou pelo
Caribe em 2016, gerou debate na internet. Muita gente viu a "cara da
morte" ou até mesmo um dinossauro no registro feito por satélites da Nasa,
a agência espacial americana.
A visão inusitada é resultado de um
fenômeno psicológico chamado pareidolia, que consiste em reconhecer padrões ou
fazer conexões de dados aleatórios com imagens ou objetos.
É dessa necessidade que o cérebro humano tem de decifrar
padrões, seja a partir de imagens, sons ou fatos, que surge, por exemplo, a
mania de associar o formato das nuvens no céu a animais.
O fenômeno também explica as
"mensagens satânicas" que algumas pessoas juram ouvir quando
determinadas músicas - faixas de antigos discos da então apresentadora infantil
Xuxa, por exemplo - são tocadas ao contrário na vitrola.
"É um fenômeno cognitivo, de percepção. Isso significa
que o que eu vejo nem sempre é o mesmo que você vê. A pareidolia está ligada a
quanto mais se viveu e se viu", explica o engenheiro brasileiro Maurício
Raymundo de Cunto, perito forense e especialista em analisar imagem e som.
Segundo ele, a pareidolia dificilmente se aplica a uma
criança de um ano de idade, por exemplo.
"É com o passar dos anos que
nós armazenamos informações. O fenômeno fica mais intenso à medida que nosso
banco de dados interno cresce e somos capazes de fazer associações", diz.
"E há pessoas
que têm isso de forma mais intensa."
Mas por
que o cérebro busca padrões?
Como parte da
nossa evolução como seres humanos, somos programados para reconhecer certos
indicadores do ambiente ao nosso redor - como o derretimento da neve que
anuncia a chegada da primavera nos países de clima temperado, por exemplo.
Isso nos ajuda
a entender o mundo à nossa volta e a nos manter seguros de ameaças repentinas e
desconhecidas.
Nosso cérebro
interpreta um conjunto de eventos aleatórios na tentativa de encontrar algum
fator em comum, que dê sentido ao que está sendo observado.
Para a nossa
mente, a "teoria da conspiração" é preferível e mais compreensível
que a ideia de uma série de acontecimentos desconexos.
Segurança
ameaçada
De acordo com a
teoria de Maslow sobre a hierarquia de necessidades dos seres humanos, depois
de comida e abrigo, a nossa maior preocupação é com segurança.
E ela é
"ameaçada" principalmente pelo desconhecido. E esse medo dele faz com
que nosso cérebro crie respostas para garantir conforto.
Segundo
especialistas, não conseguimos avaliar uma ameaça desconhecida e que não seja
visível - mas evoluímos para reconhecer outras pessoas como ameaça. Então,
nossa mente "decide" que um grupo oculto de indivíduos é responsável
por acontecimentos ruins, agindo em prol de algum "objetivo nefasto".
Essa ideia é
mais reconfortante e segura que a de que "um monte de coisas aleatórias
estão acontecendo".
E, ao adicionar
diferentes níveis de teorias da conspiração, um acima do outro, nosso cérebro
consolida uma racionalização.
Senso de
comunidade
Pesquisadores
também apontam o senso de comunidade como um dos fatores que estimulam as
teorias da conspiração.
Os seres
humanos sempre viveram em grupos, tribos, sociedades. Participam de clubes,
times de futebol, praticam atividades juntos. Fazer parte de um conjunto que
compartilha uma crença em comum proporciona um senso de comunidade e
pertencimento.
E também faz
parte da necessidade humana criar um senso de hierarquia a qualquer grupo de
indivíduos. Estar ao redor de pessoas com as mesmas crenças, não importa o quão
bizarras ou irracionais sejam, nos ajuda a sentir parte de um clube
"especial".
Como animais
sociais, ansiamos por respeito e aceitação. E graças à internet é muito mais
fácil procurar e encontrar pessoas que pensam como você, assim como
compartilhar suas crenças com outros indivíduos.
'Tudo
acontece por uma razão'
No livro
Suspicious Minds ("Mentes Suspeitas", em tradução livre), o psicólogo
Rob Brotherton discute a ideia de "viés de intencionalidade", que se
refere à tendência de ver uma intenção em qualquer ação humana.
Quando
crianças, presumimos que tudo ao nosso redor acontece por uma razão. Se o filho
vê o pai martelar acidentalmente o dedo, sua mente infantil diz que ele fez
isso de propósito, porque um adulto, na visão da criança, está sempre no
controle.
A criança
pequena ainda não incorporou a noção de que muitas coisas acontecem por
acidente ou por acaso.
À medida que
crescemos, aprendemos que alguns eventos não têm necessariamente um motivo
específico. Simplesmente acontecem.
Mas se nosso
cérebro está "distraído" com excesso de informações, se nos sentimos
ameaçados ou se tomamos uns drinques a mais, podemos começar a acreditar que
existe uma intenção oculta por trás de cada ação - ainda que isso signifique
acreditar que Shakespeare nunca existiu, que alienígenas vivem entre nós ou que
o aquecimento global é lenda.
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